Entre São Carlos e Caracas, há um mar de ingenuidade

Às vésperas de mais uma eleição, me parece incrível que determinados agentes políticos da cidade, com uma oportunidade ímpar de demonstrar seu apreço pela democracia eleitoreira na qual se agarram há quase uma década, insistam em, daqui de São Carlos, ecoar saudações à Maduro e seu regime.

É inegável que a correspondência internacional na Venezuela já esteve muito mais apagada. Antes do chavismo o país não tinha um décimo de sua relevância atual. Ninguém falava da Venezuela. Ninguém queria ser a Venezuela, ou o contrário dela. Você não deve se lembrar de nenhum dos (inúmeros) golpes de Estado que balançaram de tempos em tempos o palácio de Miraflores, pós 2002. Provavelmente nem você, nem os vereadores de São Carlos.

Hoje, existe em nossa Miraflores a seguinte configuração: Um grupo está lá há basicamente trinta anos. O outro quer ficar lá pelos próximos trinta. Desde que haja espaço para todos, nada de balanço. Aliás, cabe a anedota de que o determinante na escolha de Miraflores para a residência oficial da presidência venezuelana, em 1900, foi exatamente a sua característica anti-sísmica, sua estabilidade contra terremotos. Por aqui, nem a terra e nem a lógica são capazes de alterar a qualidade do palácio-cadeia de Djalmas, Marquinhos, Raquéis e Paranás.

Não que a prefeitura não tenha tentado terremotos nos últimos meses. Britadeiras e cavaletes montam um teatro mambembe da pior qualidade, principalmente no centro da cidade. Teatro-circo, mesmo. Nas ruas, falta água. Os nobres vereadores seguem preocupados em se sabotar. A fatia mais antiga da casa segue bloqueando a mais nova, que ao tentar fazer um trabalho que não é necessariamente seu, mergulha-se cada vez mais em um ostracismo vergonhoso.

A disputa esse ano será pela lembrança em seu curral, e vale tudo: Tuítar (esse verbo ainda existe?) por Maduro talvez seja a mais vergonhosa tentativa à esquerda de disputar um movimento estudantil inerte e que, fora das universidades, simplesmente não existe.

Quem lhes escreve não deve absolutamente nada à direita, e não espera dela nada além dos rompantes bizarros sobre escolas cívicos-militares, da ruminância sobre o STF, dos métodos provincianos que impedem a instalação de bueiros e lombadas na cidade ou mesmo da medieval insistência na apuração da sexualidade do outro.

Mas da esquerda, eu deveria esperar algo além dos levantes coreográficos, das saudações que não serão lidas por nenhum venezuelano ou do trabalho institucional de várzea, que foca em minúcias e transformam os vereadores em versões do Chat GPT. Por dentro dos partidos, brigam (e muito) pela oportunidade de serem votados. Por fora, nem a antiga rebeldia do twitter existe mais. Para agradar uma ‘massinha’ das universidades, passa a ser louvável qualquer resultado inventado, qualquer bagunça. Afinal, sem as cercas ideológicas, o pequeno curral se solta. Aqui, falta vereador na rua, sobra vereador no (novo) carro e no celular.

Enquanto isso, alheio ao Edifício Euclides da Cunha, segue o baile de Miraflores. Talvez as atas sejam publicadas, talvez não. Talvez amanhã a gente tenha água no Cruzeiro do Sul, talvez não. Talvez a esquerda eleja dois, ou quem sabe três vereadores. Talvez não.

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